imprevisão do tempo

tem dias que me seguro pra não chorar.
falta água no mercado aqui do lado e pelo que tenho visto de relatos
falta água no mercado do lado de muita gente também.
tem dias que me seguro pra não gastar o choro.
desidratar é pra que ainda não desistiu.
espero na janela atento ao menor sinal de chuva.
vejo as gotas caírem e aproveito pra me escorrer.
desço pela parede do prédio.
sinto o passar de cada pastilha azul da década de 60 pelo meu corpo.
pela janela dos moradores debaixo vejo gente ainda deitada
olhando o teto branco que precisa pintar.
o proprietário que se vire com esse líquido branco.
uma tevê ligada no andar seguinte.
a essa altura já é a tela que assiste às pessoas.
passo pela portaria.
o botão do meu apartamente no inferfone é o menos gasto.
ninguém vem aqui faz tempo.
me junto as outras lágrimas na calçada perto de um papelão do morador
que pede honestamente um trocado pra cachaça.
é engraçado como em tempos assim todos viramos reféns de algum tipo de líquido.
bauman ia gostar de saber que seu tempo enfim chegou.
as pessoas que ainda andam pela rua passam apressadas
tentando não encostar em ninguém.
mas de pisão em pisão vão me espirrando.
chego em frente ao mercadinho.
realmente não tem água.
continuo sendo meu próprio líquido.
racionado.
raciocinando. e tentando escorrer menos que o normal.

Comentários

Postagens mais visitadas