Feio que dói
Não é que ele nasceu feio assim, até que era bonitinho quando pequeno. Pelo menos era isso que a mãe dizia a todos que perguntavam sobre a qualidade místico-facial do filho. Filho de pai e mãe conhecidos na cidade, logo pegou fama. O nome, por exemplo, nem compensa dizer, honra o dono da cabeça aos pés.
Só pra você ter uma noção do que eu estou falando e não duvidar de tamanha feiúra, o menino; bem; pelo menos parecia menino; já que além da cara não ajudar muito, o corpo com seu balanço desregulado, também não permitia a identificação. Mas voltando, pra você não duvidar de tamanha feiúra, o caboclo começou a andar com 3 meses de idade e aos 4 já corria pela casa toda. Não, ele não era bem dotado, é que de tão feio teve que se virar sozinho, ninguém queria segurá-lo no colo.
Depois de aprender a andar, correr, falar, comer, contar, ler e escrever, aos 5 anos, ele finalmente descobriu o que era ser um adulto. Sim, virou um ser humano precoce. Ninguém queria chegar perto dele, as pessoas normais preferiam não se misturar com aquela pobre criatura, óbvio que ele teria que aprender tudo sozinho.
Além de precoce, virou autodidata. Ganhou diploma de solitário. Formado em feiúra e pós-graduado em ausência de beleza. Não era adepto de espelhos, lógico, nem ele mesmo suportava sua própria imagem. Gostava de cegos, como se a gente não soubesse o porquê, e era amante incondicional de Macabéia. Queria ter sido escrito como ela foi, preferia nunca ter nascido fora de uma literatura.
Aos 10 anos, já havia feito de tudo na vida, já era um homem formado, não precisava dar satisfação pra ninguém, nem mesmo para aqueles que ainda ousavam em chegar perto dele. Vivia em uma casa isolada da população com uma placa na entrada do portão, “Aqui vive alguém esquecido pela beleza divina”. Apesar de não acreditar em deus, achava que alguém, em algum momento de sua concepção, havia esquecido de lhe explicar o que era belo.
Os anos passaram, como em qualquer clichê literário, e o caboclo, agora com 44 anos, era um ser muito sábio. Milhares e milhares de livros já haviam passado em suas mãos, milhares de teorias já haviam sido inventadas e milhares de problemas resolvidos. Tudo bem que de nada adiantou, como ninguém tinha coragem de olhar sua face(?), os anos todos de investimento intelectual, não valeram nada nada. Você tem noção do que é isso caro leitor?
A solidão, o isolamento e o arrependimento de ter nascido desse jeito (nascido não, de ter sido expulso do ventre, porque aquilo era o cúmulo da incapacidade estética) fez com que começasse a escrever sua própria história. Um livro pobre, chucro e triste. Um livro sobre sua vida. Sobre seus problemas, suas angústias e sua impossibilidade social. Ele conseguiu terminar, mas não diferente de todas as outras pessoas, eu também não li. Se ficou ou não ficou bom, acho que ninguém vai ter coragem de pedir pra ver.
Comentários
Quando bem escrita, de forma sucinta e divertida, então é ainda melhor :)
Bom, bom Tiago!
PS: Esse cara ai era feio de verdade, e aqueles que se acham feios e por isso se isolam do resto do mundo, poupando-os de uma “tortura” que nunca poderia existir de verdade.
E eu cheguei me intitular anti-social um dia, bobaagem!
Ela já chegou a pensar nisso.
enquanto eu lia, lembrei do novo filme do Brad Pitty: O Curioso caso de Benjamin Button.
hehe
Mili
Foi o que eu pensei.
Muito bom master.
Agora vai para casa dormir =p.
Bjaoooo
HEHE
Tá na hora de vc começar a pensar em publicar hein. Sou o primeiro a apoiar!!!
Publicar o que Lineu? Um livro igual esse hehe?
=/
rs...
muito bem escrito.. adorei!!
Budapeste este livro me traz boas recordações...bjs
Bacana que você tenha se interessado em ler, mas quanto as minhas leituras ainda acho que estão meio lentas.
Já anotei aqui sua dica de microconto.
Beijo.
Segundo, adorei a parte "além das sensações corriqueiras".
Terceiro, que depois desse pequeno comentário quem se sentiu feio fui eu pelo ardor e rubor de minha face, ou humildemente chamada e vulgarmente compreendida, bochecha.
Beijo.