Saudade involuntária

Seu corpo me esquenta de um jeito que o sol ainda não aprendeu.

Parada no bar com um coquetel na mão, ela quase nem sabia o que estava fazendo. Segurava um líquido verde, mais pela beleza do que pelo gosto propriamente dito. Ouvia uma música que o seu corpo acompanhava vagamente, mas sua boca nunca, nem sequer cantarolou algum trecho daqueles refrões metalizados e sem nexo. Olhava por todos os lados de uma forma sutil, não queria que o desespero da solidão fosse visto em seus olhos.

No corpo, um vestido brilhante e reflexivo como a bola que girava no teto. Nos pés, os sapatos de uma vitrine que nunca havia parado para admirar, mas, que lhe custaram 30 dias de trabalho, e, no rosto, uma camada de beleza artificial que passara antes de sair,e que aquela hora da noite, já se tornava na verdade mais um incômodo grudento.

Seu corpo me esquenta de um jeito que o sol ainda não aprendeu.

A cada corpo que se projetava em sua frente na tentativa frustrada de chamar atenção, o coração acelerava na esperança de encontrar algo novo. Diferente. Mundano, essa seria a palavra exata. Mas as promessas provisórias de amor, sempre eram feitas da mesma forma – sozinha gata? – ou – eaí gostosa, quer compainha? – ou – vim aqui com a certeza que ia beijar essa boca tesuda. Todas iguais gramaticamente.

Quanto mais próximo do mundo real, mais longe ficava dos devaneios amorosos. Ainda não sabia o que fazia ali. Provavelmente seu corpo veio a procura de um cara legal.

Legal não.

Um cafajeste.

De caras legais estava cansada. De caras românticos estava cansada. De homens lindos e educados estava cansada. Estava cansada do certo. Já não bastava os anos que dividiu a cama com aquele príncipe de sotaque galicista de quem sente saudades até hoje, que por mais que tentasse esquecer o filha da puta certinho de uma figa, já estava inoculado em seu ouvido seus carinhosos tratamentos:

Seu corpo me esquenta de um jeito que o sol ainda não aprendeu.

Comentários

silvia disse…
Uau,que chuva de ciscos!!!
Anônimo disse…
Muito bom!
Tiago Moralles disse…
Ciscando, escrevendo e vivendo.
Iasnara disse…
A verdadeira lady na mesa, querendo ser uma louca na cama. Da-lhe bolero!
Adoro os detalhes e as tramas de tuas linhas.
Natalya Nunes disse…
Tiago, este conto é capaz de nos embriagar com tuas palavras minunciosamente montadas. É uma saudade involuntária...é uma realidade inconformada da dama que é mais sábia do que o sol, no quesito CALOR... Parabéns! Muito bom!
Mauro Paz disse…
Não sei se gostei mais do conto ou da tua nova foto de contracapa de Best-seller.
Tiago Moralles disse…
ISA. Tramas, tremas, tremidas e traumas.

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Natão, é saudade involuntária, realidade aumentada, inconformada, revoltada.
Valeu.

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Maurão, prefiro de coração que você goste mais do conto hahaha.
Gabriela Gomes disse…
Eu diria que os cafajestes até passam por nossa cama, mas são os "caras legais" que permanecem nela.

Eu ADOREI! Parabéns.

beijos
Nayara Diniz disse…
Ontem à noite, a noite tava fria
Tudo queimava, mais nada aquecia.
Ela apareceu, parecia tão sozinha.
Parecia que era MINHA aquela solidão.

Acho que já está claro que talvez esse seja um dos contos que mais gostei.

Consegui ver aqueles garotos desprovidos de cerebro procurando a "mina" da noite e a desilusão dela (minha).

Os amores que foram, as decepções e daqueles relacionamentos que insistiam naqueles malditos dois meses e meio.

Estava decidida, o que ela queria mesmo era aquele cafajeste. E quem sabe com esse ela viveria novos erros e aquecesse seu corpo de um jeito que o sol ainda não conseguiu.

Obs.: O texto comentado antes era algo assim.

Beijo.
Tiago Moralles disse…
Gabi, os cafajestes dormem também heim hehehe?
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É, realmente não precisa falar que gostou.
Uau, identificação heim Náh hehehe?
Nina disse…
Demais! no more words.
Você deve se lembrar ainda de alguma outra encarnação como mulher... Não é sempre que encontramos nossos pensamentos escancarados pelos homens dessa maneira.

Desconcertante.
Tiago Moralles disse…
Seria mesmo uma outra encarnação?
Fiquei com medo agora heim hehe.
Que bom que gostou.

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